Selva Selvaggia

(ou Atravessando um artigo do Roberto Campos)

Millôr Fernandes, O Pasquim - Nº38

De repente um terror me sacode. Penetrei distraído e sinto que estou perdido na terrível floresta de linguagem do Roberto Campos. Ignorando a estrada sintática, ele me trouxe a zonas praticamente intransponíveis. Sem querer me entregar ao medo, vou tropeçando em anglicismos, datinismos, barbarismos e idiotismos de linguagem, quando ouço o silvar de vocábulos paragógicos. Caio no areal dos solecismos e sou mordido por vários anacolutos. A custo, afastando duas redundâncias e esmagando um horrendo pleonasmo, escorregando em sinistras hipérboles, agarro-me a um verbo auxiliar e a um complemento essencial. Porém, hibridismos me barram o caminho. Ensurdecido por rotacismos e lambdacismos, arranhado por orações anfibológicas, recuo para cair no terrível cipoal da regência robertiana, de onde raros escapam com vida. Galhos de corruptelas me cortam o rosto, enquanto sufoco com o cheiro dos defectivos. Ponho o pé num nome próprio que acho seguro, mas logo seis substantivos deverbais saltam sobre mim. Não tendo fuga, me protejo com uma próclise, evitando duas espantosas mesóclises e aproveito um advérbio de negação para atrair três pronomes relativos colocados em posições ameaçadoras. Estou esgotado: felizmente - coisa rara neste tremedal! - surge a clareira de um parágrafo.


Voltar não é mais possível. Avanço pois, abrindo parênteses onde enfio arcaismos, anacronismos, expressões chulas e ambivalentes. Uma silépse espera-me mais à frente. Desvio-me com uma vírgula, engano uma prosopopeia e sou envolvido por diversos parequemas a que logo se juntam odiosas ressonâncias verbais. Descanso sobre reticências, quando ouço o tantã de interjeições pejorativas emitidas por sujeitos ocultos por elipses. Apócopes! Escapo pela picada do eufemismo e paro para respirar no fim de um período simples. Avanço pela pedreira dos metaplasmos, luto com apofonias, salto o pantanal dos cacófatos, esbarro em cacografias, empurro cacologias, me arrasto pela cacoépia. Estou sufocado de exaustão diante de uma centena de substantivos promíscuos, já desespero, quando percebo o ponto final.



Estou salvo - Roberto Campos acaba sempre num lugar-comum.

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