Quando Midori Aoshima frequentava a escola no Japão, o país estava a caminho da Segunda Guerra Mundial. Entre as lembranças da sala de aula, não sai da memória a vez em que a professora perguntou: “O que vocês querem ser quando crescer?”. Prontamente, os colegas de classe se envaideceram. “Quero ser piloto de avião.” “Eu vou fabricar armas.” “Fazer engenharia naval é o meu sonho.” Pouco contagiado pela euforia bélica daquele momento, Aoshima disse com sinceridade: “Quero ser pintor”. Recebeu dez chicotadas de castigo.
Hoje um senhor de 80 anos, Midori Aoshima mantém a voz mansa enquanto conversa. Fala baixinho, quase num sussurro, um português de poucas palavras que, não raro, troca o L pelo R, né?!, como fazem os humoristas imitando os imigrantes japoneses. Desde os 23 anos, Aoshima vive no Brasil bem distante de qualquer conflito de ordem militar. Se por capricho do destino viesse a rever a tal professora, certamente ouviria que ele é uma causa pedagógica perdida. Nas mãos, nada de armas: apenas tinta e pincel. Instrumentos que utiliza para dar expressão a talhas de madeira, confeccionando peças de artesanato japonês.
Dificilmente, o lugar onde Aoshima expõe seu trabalho poderia ter um nome melhor. Liberdade, a praça no centro de São Paulo famosa por ser um reduto da cultura oriental no Brasil. Aos sábados e domingos, o local é tomado por 50 barracas coloridas de vermelho e branco, que oferecem de souvenir exótico à comida típica daquelas bandas de olhinhos puxados. Em uma delas, Aoshima aguarda, pacientemente recostado na cadeira, quem admire - e compre - o que sabe fazer de melhor: Kokeshi e Daruma.
Kokeshi é uma bonequinha de tradição milenar que, segundo se acredita, traz sorte às famílias. Ela não tem braço nem perna. Apenas o tronco cilíndrico e a cabeça desproporcionalmente crescida. Aoshima fabrica mais de trinta modelos diferentes, enfeitando-os sempre com cores vivas e caracteres kanji, aqueles símbolos incompreensíveis do alfabeto pictórico japonês. Um trabalho minucioso, que requer bastante precisão para pintar todas as linhas, bem fininhas, na medida certa.
O Daruma, um rosto de olhos opacos, talvez seja ainda mais interessante. Ele funciona da seguinte forma: pinta-se um dos olhos depois de fazer um pedido, o outro permanece sem cor até que o desejo se realize. “Caia sete vezes, levante oito”, diz o provérbio que o inspirou, em clara referência à ideia de não medir esforços diante de um objetivo traçado.
Mas nem sempre Aoshima conseguiu viver de artesanato. Inicialmente, ele veio ao Brasil para trabalhar numa empresa japonesa, que faliu um ano e meio depois. Contudo o desprezo pelo fracasso - um dos insistentes traços orientais - o impediu de retomar o caminho da antiga casa. “Tive vergonha de voltar, né?!”, conta sem muito constrangimento. De lá para cá, recorreu à lavoura, deu expediente na indústria, encontrou um jeito ou outro de sobreviver. Também se casou com uma brasileira, com quem teve três filhos. Aoshima nunca mais pisou no Japão.
Há cinco anos na Feira da Liberdade, o artesão aproveita a aposentadoria para realizar o desejo da juventude. É, depois de tudo, um desobediente ou um perseverante, dependendo do ângulo em que se olha: de professor ou de Daruma. Mas que soube retribuir oferecendo a possibilidade de cada um - ao pintar um naco de madeira ou um simples olhinho - poder escolher o que bem entender.
Hoje um senhor de 80 anos, Midori Aoshima mantém a voz mansa enquanto conversa. Fala baixinho, quase num sussurro, um português de poucas palavras que, não raro, troca o L pelo R, né?!, como fazem os humoristas imitando os imigrantes japoneses. Desde os 23 anos, Aoshima vive no Brasil bem distante de qualquer conflito de ordem militar. Se por capricho do destino viesse a rever a tal professora, certamente ouviria que ele é uma causa pedagógica perdida. Nas mãos, nada de armas: apenas tinta e pincel. Instrumentos que utiliza para dar expressão a talhas de madeira, confeccionando peças de artesanato japonês.
Dificilmente, o lugar onde Aoshima expõe seu trabalho poderia ter um nome melhor. Liberdade, a praça no centro de São Paulo famosa por ser um reduto da cultura oriental no Brasil. Aos sábados e domingos, o local é tomado por 50 barracas coloridas de vermelho e branco, que oferecem de souvenir exótico à comida típica daquelas bandas de olhinhos puxados. Em uma delas, Aoshima aguarda, pacientemente recostado na cadeira, quem admire - e compre - o que sabe fazer de melhor: Kokeshi e Daruma.
Kokeshi é uma bonequinha de tradição milenar que, segundo se acredita, traz sorte às famílias. Ela não tem braço nem perna. Apenas o tronco cilíndrico e a cabeça desproporcionalmente crescida. Aoshima fabrica mais de trinta modelos diferentes, enfeitando-os sempre com cores vivas e caracteres kanji, aqueles símbolos incompreensíveis do alfabeto pictórico japonês. Um trabalho minucioso, que requer bastante precisão para pintar todas as linhas, bem fininhas, na medida certa.
O Daruma, um rosto de olhos opacos, talvez seja ainda mais interessante. Ele funciona da seguinte forma: pinta-se um dos olhos depois de fazer um pedido, o outro permanece sem cor até que o desejo se realize. “Caia sete vezes, levante oito”, diz o provérbio que o inspirou, em clara referência à ideia de não medir esforços diante de um objetivo traçado.
Mas nem sempre Aoshima conseguiu viver de artesanato. Inicialmente, ele veio ao Brasil para trabalhar numa empresa japonesa, que faliu um ano e meio depois. Contudo o desprezo pelo fracasso - um dos insistentes traços orientais - o impediu de retomar o caminho da antiga casa. “Tive vergonha de voltar, né?!”, conta sem muito constrangimento. De lá para cá, recorreu à lavoura, deu expediente na indústria, encontrou um jeito ou outro de sobreviver. Também se casou com uma brasileira, com quem teve três filhos. Aoshima nunca mais pisou no Japão.
Há cinco anos na Feira da Liberdade, o artesão aproveita a aposentadoria para realizar o desejo da juventude. É, depois de tudo, um desobediente ou um perseverante, dependendo do ângulo em que se olha: de professor ou de Daruma. Mas que soube retribuir oferecendo a possibilidade de cada um - ao pintar um naco de madeira ou um simples olhinho - poder escolher o que bem entender.
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