A sete palmos, as palavras

"Provavelmente seja verdade que um homem permanece eternamente desconhecido para nós e que nele há sempre algo de irredutível que nos escapa. Mas eu conheço na prática os homens e os reconheço em sua conduta, no conjunto de seus atos, nas consequências que sua passagem suscita na vida. Da mesma maneira, todos esses sentimentos irracionais sobre os quais a análise não sabe agir, posso defini-los na prática, apreciá-los na prática, reunindo a soma de suas consequências na ordem da inteligência, captando e registrando todos os seus rostos, redesenhando seu universo. É bem verdade que, aparentemente, se eu assistir cem vezes ao mesmo ator, não o conhecerei melhor pessoalmente"



- Camus de todas as horas

Um comentário:

  1. Camus e toda a sua capacidade de ser racional. Racionalmente incrível, lúcido, esclarecido de suas vontades insípidas. Camus e toda a sua pretensão de controlar tudo, de acreditar que, na prática, consegue absorver as verdades todas. Camus e toda sua impotência para enxergar razão no que é sentimento, de ver que, na prática, sentimento, por si só, é passível e digno de análise. Camus e toda a sua prepotência, achando-se capaz de saber enxergar, na prática, o que é sentir.

    Quem sente, simplemente, não precisa de análise. Não precisa reduzir sentimentos a atos, nem colocá-los na ordem da inteligência. Não é necessário que exista racionalidade em sentir, uma vez que, por si só, sentir já nos diz o suficiente. É um esclarecimento bobo, que nos invade, sem precisar de explicação ou sequer fazer sentido. Essa necessidade de dar solidez ao que não pode recebê-la, enrijece o sentimento a ponto de descaracterizá-lo por completo. Nem tudo tem a obrigação de ter uma forma rígida, para que possamos identificá-las, em nossa pequenez, com maior facilidade. E quem não sabe deixar o sentimento tomar conta da cabeça, num ato de lucidez, nunca será capaz de saber qualquer coisa sobre sentir.

    As palavras nunca estão a sete palmos. Permanecem vivas após ditas, como poucos atos concretos conseguem permanecer. Têm, em sua natureza, a capacidade de traduzir o que há por dentro e, mais ainda, a importância de nos fazer pensar ao dizê-las. Palavra é reconhecimento de si e do outro. É quando conseguimos, em fala, fazer o que não conseguimos falar em ato. É a expressão mais racional do que se tem por dentro, numa tentativa válida de expor aquilo em que se acredita.

    Fazer, falar e sentir se completam numa balança de várias medidas, que se autoajusta numa preciosidade só. Sempre que quisermos fazer com que essa balança traga sempre a mesma tara, estaremos engessando nossa capacidade de perceber a nós mesmos. Deixemos que cada coisa se ajuste do seu modo, sem convicção ou coisa prática que as limite. Os atos, na condição do "fazer", são apenas um dos meios pelos quais o "falar" e o "sentir" podem vir ao plano do entendimento.

    Nunca seremos capazes de captar e registrar universos a partir da soma de consequências dos atos. Sempre que excluirmos as outras formas possíveis de entendimento do mundo, limitando essa apreensão à lógica e à apreciação, estaremos ampliando nossa chance de enxergar errado. É incompleto demais ser racional, apenas, apesar de Camus acreditar que tudo pode ser resumido à ordem da inteligência.

    A beleza é essa, de não conseguir conhecer mais alguém mesmo tendo assistido tantas vezes a ela. Porque vê-la em cena, agindo, sem a capacidade de ouvi-la em palavra e percebê-la em sentimento, será sempre fazer um recorte incompleto, imperfeito, do que ela é. Não é na prática que vamos conseguir conhecer melhor os homens, esses desconhecidos.

    Te amo. Te reconhecencendo, sim, em tuas condutas e no conjunto dos teus atos (principalmente nos irracionais mais bonitos, puros de amor). Mas não só nisso. Te amo ainda mais por saber que o teu "sentir" está aí, intacto, mesmo quando os teus atos e tuas palavras ressoam outras verdades. Te amo demais - e sinto - e falo. Me perdoa se, nos atos, pouco consigo expressar tanto bem querer. Vai ver o meu agir é pouco imbuído de racionalidade, essa aqui, que existe quando me deixo invadir por todo o sentimento do mundo.


    - Camus de todas as horas, sim, com seus problemas de sílaba tônica, principalmente. Lembra disso.

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