James Nachtwey e a guerra do fotógrafo



Durante dois anos, as micro-câmeras de Christian Frei percorreram territórios de conflito. Não se faz, aqui, necessariamente referência a Kosovo, à Palestina ou à Indonésia – locais em que foi gravado seu filme, Fotógrafo de guerra (2001) –; mas ao que, em essência, o diretor suíço se propôs documentar: o trabalho de James Nachtwey.

Norte-americano por capricho e jornalista por fatalidade (a inquietação diante do mundo, e o mundo diante da guerra do Vietnã); Nachtwey reservou a si o peso de traduzir em combinação cromática as iniqüidades silenciadas. A densidade do que realiza, entretanto, o obriga a caminhar na ponta dos cacos sobre a linha tensionada da conduta moral. Em uma mão, a máquina fotográfica ganha contornos de sombrinha; na outra, deixa debater a convicção de que uma imagem pode fazer mais barulho do que se imagina.

A condição natural da guerra (se é que é possível assim falar), por si só, já subverte qualquer questão ética previamente estabelecida. A gravidade da conjuntura demanda um trato específico, mais complexo. Situações extremas são tentadoras frente à possibilidade de exploração do outro, e do sentido que é gerado a partir daí. Por isso mesmo, para que não se perca de vista os princípios de respeito e não se deixe escapar a condição de indivíduo do retratado, é preciso que a relação fotógrafo-fotografado seja explícita. Exprimir dor, sofrimento e tristeza só é possível por meio da cumplicidade entre quem os sente, porque é consigo, e quem os sente, porque é consigo, já que é com o outro. É justo por não ser alheio que não se pode dizer que Nachtwey – tal qual abutre – se “aproveita da desgraça alheia”.

Tendo em vista o fotojornalismo como gênero com função social específica, de informar dentro de um regime estético; seu trabalho também pode ser analisado sob o crivo dos critérios de noticiabilidade. Em primeiro plano, traz-se o fato de que – se o que Nachtwey relata não é de todo novo – nunca deixou de ser atual. Farelos de combate, pobreza, fome, destruição além de evidenciarem um quadro de hoje, se associam com aspectos correspondentes do repertório da cultura ocidental. Como agulha quente por sobre nossas chagas históricas.

Além disso, a relevância salta de suas fotografias. Elas conseguem tornar comum a situação material, política e social. Talvez com mais eficiência que com palavras, fazem com que um caso específico se torne metonímia de uma realidade. É meio o mesmo caminho que Mário Quintana traçou quando disse que “um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente... e não a gente a ele”.

Para completar, a calamidade e a violência alimentam as pulsões de catarse. Geram cargas emotivas que, se manuseadas com perícia (o mérito do bom fotógrafo também reside em construir representações expressivas), revestem a notícia de interesse. E, finalmente, é necessário lembrar que o tema da morte nunca abandonou a pauta de aflições humanas. Ela, que é matriz dos nossos maiores mistérios e dos mais profundos conflitos existenciais; é suficiente, portanto, para assegurar a importância de qualquer evento em que esteja presente.

Em Fotógrafo de guerra, há o perfil de um homem que, através da mudez das imagens, consegue dar voz a um mundo preterido. O tom obstinado – em que até fotos coloridas soam em preto e branco –, o domínio de recursos de composição geométrica e as estratégias narrativas se somam na equação para falar, de forma sensível e crítica, do que há de mais hostil. A beleza resignada de suas fotografias repousa em não querer tornar bonito o feio.

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