A lógica da homofobia




Antes de tudo: este texto nasceu da repugnância diante dos disparates reproduzidos com o ímpeto do fordismo retórico de redes sociais e devorados com uma passividade, no mínimo, bestializante. É, em suma, a síntese do encontro entre lágrimas e vômito.

E – se me permite o intertexto – no mesmo espaço onde suspira a monodia da ingenuidade, vem a absorção simbólica que morde.

É engraçado como o absurdo e o óbvio revezam a mesma cadeira no diálogo. E é assustador constatar que, na medida em que conhecemos as coisas, mais ainda – por paradoxal que seja – cresce a nossa ignorância diante do mundo e das pessoas.







Tomemos por base o seguinte: uma ação, de qualquer natureza, deve ser considerada legítima, caso todos os envolvidos estejam em comum acordo, e não haja qualquer artifício com o intuito de ludibriar ou enganar alguma das partes. No caso de um relacionamento, se não há imposições na política entre os parceiros, não existe problema algum. Perfeito. Sim, falo política entre os parceiros o que chamam amor. Ou, melhor dizendo, a forma de vivê-lo. Mas o importante é saber que isso independe de configuração sexual. Claro. E que, se recorresse à convenção, eu seria piegas já de início.

Voltando ao que importa. Um relacionamento, por razão óbvia, só interessa a quem está se relacionando. Os de fora – seja pai, mãe, avô, afilhado, professor, policial, vizinho, patrão ou padre – não têm absolutamente nada com isso. Nada. A antítese não passa de provincianismo, porque se faz suporte para o intrometimento covarde; para o seqüestro do direito à escolha. É a emboscada para a liberdade, atolada até o nariz no lamaçal de sussurros e escarros de séculos que já deveriam ter passado.

Sim, uma coisa: não há defesa para frescura. Ponto. Mas frescura também não está necessariamente vinculada à sexualidade. Tanto pode se manifestar na bichinha despudorada, quanto no machão-afetado-que-disfarça-insegurança-cuspindo-na-cara-dos-frangos.

Incomodar-se com a opção sexual dos outros é não conseguir se desprender do ranço dos valores tradicionais. Todas aquelas instituições, tratadas pela Psicologia Social, ou – se melhor lhe provir – tudo o que Roland Barthes chama mito: processos que se esvaziam em sua historicidade, sendo ela substituída por uma falsa naturalização. Só que os mecanismos se tornam elípticos. Desaparecem. Os ditos são impostos como verdades inerentes; mas, na realidade, não passam de construções históricas. E, hoje, não superam a condição de aforismo caduco. Não precisa ser nenhum supra-sumo da antropologia para saber que a noção de família e de sexualidade mudou completamente no derramar da História. Só pra ilustrar, só pra ilustrar: a propriedade privada, ao estabelecer a necessidade de herança, pariu o conceito de casamento monogâmico. Há registros, também, de sociedades que estimulavam – até por uma questão bélica de incentivo à proteção recíproca entre os membros do exército – a homossexualidade. Enfim, é fácil perceber que nem sempre a ética homofóbica, que dizem ser em defesa da “tradição” de hoje, correspondeu ao modelo de conduta social. Ainda bem.

Mesmo assim, não falta quem brade: “não é natural que dois seres do mesmo sexo mantenham relações”. Essas mesmas pessoas, no entanto, não percebem que fica suspensa a questão: “O que se pode definir por natural?”. Golfinhos e veados (e, daí, a alcunha) são exemplos de membros-integrantes-da-fauna que praticam relações homossexuais. Um absurdo, não é?! Claro que não. Nem é absurdo, nem é exceção. Cisnes-negros, bisões, alguns tipos de macaco, e vários outros animais – é só pesquisar, o Google está aí para isso –, também são adeptos do sexo entre iguais. Será que eles, que, até onde se sabe, ouvem apenas os acordes do instinto, são antinaturais?! Ora, seria de uma ironia sem tamanho. Pois, assim, nem a própria natureza é natural.

É duro para alguns, mas sexo nunca foi só para procriação. Isso vale para qualquer espécie, inclusive, a nossa. E mesmo que o fosse, não faz parte da configuração própria humana (e isso que nos diferencia dos outros) subverter as questões intrinsecamente instintivas, de acordo com vontade/necessidade?!

A História já assistiu a algumas vezes em que uma pessoa, por si só, achou que poderia decidir por todos qual é a melhor forma de viver. E, a isso, chamou-se fascismo (ou, que os verdadeiros intelectuais do Brasil não me lancem à fogueira, socialismo). Respeitando-se o limite, que é o outro, cada um que sabe de si. Sempre que um homem acredita ser seu dever impor méritos que são individuais a outras pessoas, o mundo – valendo-me da graça literária de Helena Walsh – retrocede em quatro patas.


Era só isso que eu tinha pra dizer.

4 comentários:

  1. Só não me venha com um texto em defesa da poligamia. Papo sério.

    ResponderExcluir
  2. muito bom. muito mesmo. parabéns :)

    ResponderExcluir
  3. Eu li :) e achei do caralho, como sempre! Escreveu esse texto depois da conversa com nosso amigo, não foi mesmo? duhasudhudsh E sim, eu to começando a gostar do "Zé Rebelatto". Eu odiava. :)
    um cheiro

    ResponderExcluir
  4. rapaz, já te disse como é bom estudar contigo?
    texto do caralho, muito bem escrito.
    não só pelo seguinte, mas pra não perder a oportunidade de lembrar: os argumentos são essencialmente liberais.

    Você, com grifos meus: =p

    "Tomemos por base o seguinte: uma ação, de QUALQUER NATUREZA, deve ser considerada legítima, caso todos os envolvidos estejam em comum acordo, e não haja qualquer artifício com o intuito de ludibriar ou enganar alguma das partes."

    "Respeitando-se o limite, que é o outro, cada um que sabe de si. SEMPRE que um homem acredita ser seu dever impor méritos que são individuais a outras pessoas, o mundo – valendo-me da graça literária de Helena Walsh – retrocede em quatro patas."

    Essas frases são a síntese perfeita do pensamento liberal, da essência primeira [pra ser bem enfático] do liberalismo. E todo o restante é somente um bocado de derivativos dela.

    ResponderExcluir