Se é verdade que os únicos paraísos são os que se perderam, sei como devo chamar essa coisa terna e desumana que existe hoje em mim. Um emigrante volta à sua pátria. E eu, eu me lembro: ironia, resistência, tudo se cala, e eis-me repatriado. Não quero ruminar a felicidade. É bem mais simples e é bem mais fácil. Pois destas horas que, do fundo do esquecimento, trago de volta para mim, conservou-se, sobretudo, a lembrança intacta de uma emoção pura, de um instante suspenso na eternidade. Esta é a única verdade em mim. Amamos a flexão de um gesto, a oportunidade de uma árvore na paisagem. E, para recriar todo esse amor, só temos um detalhe, mas que é suficiente: um cheiro de quarto que ficou muito tempo fechado, o som singular de um passo na estrada. Comigo também é assim. E se eu amava, então, ao entregar-me, enfim eu era eu mesmo, já que só o amor nos faz sermos nós mesmos.
Lentas, calmas e graves, essas horas voltam, tão fortes, tão comoventes - porque anoitece, a hora é triste e há uma espécie de desejo vago no céu sem luz. Cada gesto reencontrado me revela a mim mesmo. Disseram-me um dia: "É tão difícil viver." E eu me lembro do tom. De outra vez, alguém murmurou: "O pior erro é fazer sofrer." Quando tudo acaba, a sede de vida se extingue. É a isso que se chama felicidade? Ao percorrer essas lembranças, vestimos tudo com a mesma roupagem discreta, e a morte nos surge como um pano de fundo em tons envelhecidos. Mudamos de opinião sobre nós mesmos. Sentimos nosso infortúnio e dele gostamos mais. Sim, talvez seja a felicidade, o sentimento piedoso de nossa infelicidade.
(...) E eis-me de novo repatriado. Penso em um menino que viveu em um bairro pobre. Aquele bairro, aquela casa! Só havia um andar e a escada não era iluminada. Ainda hoje, depois de tantos anos, ele poderia voltar para lá em plena noite. Sabe que subiria a escada com toda a velocidade, sem tropeçar uma única vez.
- Albert Camus, aos 22 anos. Como nós.