Vamos abrir o champanhe: o Brasil não tem a pior distribuição de renda do planeta! Quer dizer... Pensando melhor, nem sei se é bom comemorar, porque, querendo ou não, apesar d'a gente precisar de apenas de 86.5 pobres para equivaler a renda de 1.7 riquinho, os coitados de Serra Leoa são os únicos que ainda estão atrás de nós. E, na boa, para superar uma estimativa deprimente como a nossa, meu amigo... Deixemos a alegria de lado, contanto que fique bem claro: não pelo Brasil, mas por Serra. Só não esqueçamos do champanhe, temos que fazer alguma coisa, enquanto esperamos os canarinhos chegarem ao nível da Áustria (além de rezar, todos os dias, para que, quando isso acontecer, a gente não vire também um país sem a menor graça).
Meu caro, é certo que podes até apontar que falhas na estrutura social são heranças da colonização, aliadas a outros fatores históricos, políticos, coisa e tal como os grandes responsáveis por aquilo que nós estamos acostumados a apreciar pela TV durante o almoço ou na espera do dentista. Beleza, eu concordo. Mas, pelo menos pra mim - sem querer convencer ninguém - grande parcela da manutenção de muito do que já foi banalizado e contra o qual já fomos impiedosamente anestesiados, se fundamenta, hoje, na farsa da livre iniciativa.
Mesmo assim, o que deveria ser triste, muito triste, considero engraçado. Queres saber por quê? Tudo isso é novidade pra ninguém. Já no século dezesseis, perto do cabo, um só-podia-ser-europeu resolveu divagar sobre o que é ou não, de direito, propriedade do homem. Seu pensamento, de certa forma, ajudou a impulsionar as práticas econômicas, e que, para encurtar, vai dar nos dias de hoje (claro que temos que respeitar, aqui, a força e o raio de alcance de uma ideia, para não pecar por exageros). Refiro-me a John Locke. Na verdade, o que quero não é, absolutamente, fazer referência a um dos fundadores das doutrinas liberalistas, mas a este seguimento dele, registrado em Segundo Tratado Sobre o Governo Civil:
"O trabalho do seu corpo e a obra das suas mãos, pode dizer-se, são propriamente dele (do homem). Seja o que for que ele retire do estado que a natureza lhe forneceu e no qual o deixou, fica-lhe misturado ao próprio trabalho, juntando-se-lhe algo que lhe pertence e, por isso mesmo, tornando-o propriedade dele. Desde que esse trabalho é propriedade exclusiva do trabalhador, nenhum outro homem pode ter direito ao que se juntou, pelo menos quando houver bastante e igualmente de boa qualidade em comum para terceiros."
Perceba, Locke instiga seus pupilos sucessores com ideias paridas belas, inovadoras e, sem dúvida, humanistas. Trata-se, pois, de uma grande ironia: a coisa como é pensada, e a forma como é posta para funcionar. E ironias, amigo, são sempre engraçadas, não dá para rimar com tristeza.
Esse mesmo inglês diz, nessa mesma obra, que a América só não goza do conforto do Velho Mundo porque o trabalho - aqui feito - não é melhorado o suficiente para conseguir potencializar o valor do que, aqui, é produzido. Ou seja, além de inteligente, sensato e cristão, Locke esbanjava senso de humor. Para nos chamar Zé Carioca, só faltou Disney ter nascido. O pobre filósofo deve ter esquecido, apenas, que, quase nunca, a América trabalhou para a América: nem na época dele, por ser colônia; nem agora, sob comando das multinacionais e das ínfimas elites locais, que somam quase todas as propriedades, porque, na lógica anti-lockeana, (muitos) trabalham (por eles).
Parte da filosofia de John Locke é fantástica no papel. Fora dele, infelizmente, é um fiasco - convenhamos, falha comum das boas ideias de qualquer face ideológica. Ou, quem sabe, tudo isso é problema crônico do ser humano, que deve ter vindo ao mundo com uma espécie de defeito de fabricação que impede o bom funcionamento delas. Ou as duas coisas. Como nem eu e, muito provavelmente, nem tu conhecemos respostas, e, mais provavelmente ainda, Deus não aceita devolução, o melhor que a gente faz é voltar ao nosso champanhe.
Um brinde.
Meu caro, é certo que podes até apontar que falhas na estrutura social são heranças da colonização, aliadas a outros fatores históricos, políticos, coisa e tal como os grandes responsáveis por aquilo que nós estamos acostumados a apreciar pela TV durante o almoço ou na espera do dentista. Beleza, eu concordo. Mas, pelo menos pra mim - sem querer convencer ninguém - grande parcela da manutenção de muito do que já foi banalizado e contra o qual já fomos impiedosamente anestesiados, se fundamenta, hoje, na farsa da livre iniciativa.
Mesmo assim, o que deveria ser triste, muito triste, considero engraçado. Queres saber por quê? Tudo isso é novidade pra ninguém. Já no século dezesseis, perto do cabo, um só-podia-ser-europeu resolveu divagar sobre o que é ou não, de direito, propriedade do homem. Seu pensamento, de certa forma, ajudou a impulsionar as práticas econômicas, e que, para encurtar, vai dar nos dias de hoje (claro que temos que respeitar, aqui, a força e o raio de alcance de uma ideia, para não pecar por exageros). Refiro-me a John Locke. Na verdade, o que quero não é, absolutamente, fazer referência a um dos fundadores das doutrinas liberalistas, mas a este seguimento dele, registrado em Segundo Tratado Sobre o Governo Civil:
"O trabalho do seu corpo e a obra das suas mãos, pode dizer-se, são propriamente dele (do homem). Seja o que for que ele retire do estado que a natureza lhe forneceu e no qual o deixou, fica-lhe misturado ao próprio trabalho, juntando-se-lhe algo que lhe pertence e, por isso mesmo, tornando-o propriedade dele. Desde que esse trabalho é propriedade exclusiva do trabalhador, nenhum outro homem pode ter direito ao que se juntou, pelo menos quando houver bastante e igualmente de boa qualidade em comum para terceiros."
Perceba, Locke instiga seus pupilos sucessores com ideias paridas belas, inovadoras e, sem dúvida, humanistas. Trata-se, pois, de uma grande ironia: a coisa como é pensada, e a forma como é posta para funcionar. E ironias, amigo, são sempre engraçadas, não dá para rimar com tristeza.
Esse mesmo inglês diz, nessa mesma obra, que a América só não goza do conforto do Velho Mundo porque o trabalho - aqui feito - não é melhorado o suficiente para conseguir potencializar o valor do que, aqui, é produzido. Ou seja, além de inteligente, sensato e cristão, Locke esbanjava senso de humor. Para nos chamar Zé Carioca, só faltou Disney ter nascido. O pobre filósofo deve ter esquecido, apenas, que, quase nunca, a América trabalhou para a América: nem na época dele, por ser colônia; nem agora, sob comando das multinacionais e das ínfimas elites locais, que somam quase todas as propriedades, porque, na lógica anti-lockeana, (muitos) trabalham (por eles).
Parte da filosofia de John Locke é fantástica no papel. Fora dele, infelizmente, é um fiasco - convenhamos, falha comum das boas ideias de qualquer face ideológica. Ou, quem sabe, tudo isso é problema crônico do ser humano, que deve ter vindo ao mundo com uma espécie de defeito de fabricação que impede o bom funcionamento delas. Ou as duas coisas. Como nem eu e, muito provavelmente, nem tu conhecemos respostas, e, mais provavelmente ainda, Deus não aceita devolução, o melhor que a gente faz é voltar ao nosso champanhe.
Um brinde.